quarta-feira, 12 de novembro de 2014

     Ele chegou e logo te viu. Mas você já o tinha visto assim que ele cruzou a porta e deu aquele sorriso habitual. Sempre tinha sido assim com vocês. Ele aparecia e você acompanhava.
     Não precisou dizer nada. Só andou até você e te puxou para a pista de dança naquele buffet tão brega e cheio de luzes. Pensou na piada pronta que sairia da sua boca assim que entrasse no salão, se tivesse entrado com ele. Da resposta sarcástica e cheia de um humor que só você entenderia. Na risada disfarçada que teria que dar para ninguém perceber.
     Dessa vez só houve silêncio.
     Um, direita, dois, esquerda, vira, volta, dois esquerda. Te virou e te puxou para ele de novo e seu olhos descansaram nos dele e ergueu as sobrancelhas, naquele seu velho hábito. Ele encostou a mão nas suas costas um pouco mais forte, daquele jeito que ele sempre fazia quando te provocava. Daquele jeito tão comum. Não havia o sorriso malandro dessa vez. Você arrumou sua mão nas costas dele daquele jeito que sempre fazia ele rir porque sentia cócegas.
     Um, dois, direita, um, dois, esquerda, ele te puxou para mais perto e encostou o queixo no seu cabelo, naquela forma tão íntima suas. Você sentiu o perfume que havia dado para ele no último natal. Fechou os olhos. Sua mão segurou a dele mais forte. O dedo dele mexia nas costas da sua mão, naquele velho hábito, enquanto você cutucava a unha torta dele. Seus olhos voltaram para os dele e a música seguiu naquele ritmo velho e conhecido.
     A história de vocês se lia em movimento. Cada canto seu era um hábito velho dele e cada parte dele era um costume seu.
     Foi.
     Se segurou para não puxar aquele cabelo dele que sempre arrepiava. Ele segurou o impulso de inclinar para beijar sua testa.
     A música terminou e o que ficou no espaço foi a sobra de vocês.
     Você deu um passo para trás. Olhou para ele.
     Ele ainda tinha aquela cicatriz daquela trilha que vocês fizeram. Alguém novo ia perguntar para ele sobre ela algum dia. Ele ia lembrar de você. Quem sabe não te mencionaria na história. Talvez não. Vai saber.
     Ele te olhou. Deu aquele sorriso fechado e torto que ele sempre dava depois de uma briga. Você coçou o pescoço daquele jeito que sempre fazia quando não tinha certeza do que ia seguir. Juntou as mãos e passou os olhos por todo o rosto dele.
     A intimidade de vocês só se mantia em movimento. Não existia mais nada. Não existia mais palavra.
     Deu aquele seu sorriso curto. Memorizou. Mais um passo para trás e seguiu para a porta. Virou e viu que ele seguia o caminho contrário.
     Seguiu para o seu canto. Ele seguiu para o dele.
     A música tinha acabado.