quarta-feira, 6 de maio de 2015

 
   Desaprendi a respirar por alguns segundos quando soube de você. O choro mais desesperado e ensurdecedor veio num tom baixo que me assombra o tempo todo, criança. E eu sinto enjoo. Falta ar. Sobra água.
  Quando eu era mais nova e perdi um colega, acreditei não existir silêncio mais alto do que daquele protesto em memória dele. Ou arrepio igual. Vi o mundo acabar um pouco.
  Mas aí recebi aquele telefonema e a perspectiva veio como um chute na cara. Tudo perdeu um pouco de vida.
Cada análise era um teste - não deixar o corpo dominar e o pânico tomar conta. Era difícil controlar, criança. Mas não existia espaço pra nada.
  Quando eu soube de você, criança, eu só pensei em como resolver logo tudo. Dar um jeito. Te vi como um pesadelo surreal, criança. Desculpe.
 Arranjei tudo. Deixei tudo certo. Ignorei o pontinho do ultra som. Tentei não conseguir te ver. Não existia tempo de achar nada, pensar em nada. Era certeiro.
Durante todos os dias desde que soube de você, a única forma de dormir, era com a tv ligada. Som alto. Alto o suficiente pra cobrir meus pensamentos. Pra cobrir o que tinha de você ali.
Você veio carregando e despejando medo. E saindo as escondidas no meio da madrugada, descobri que o corpo, as vezes, treme incansável e involuntariamente. Disse que era frio. Era pânico.
"E se, e se, e se" me seguiram até a hora em que sentei no sofá e esperei. E todos os "e se" viraram uma possibilidade.
  Olha só, criança, descobri um novo fim de mundo numa parede branca com um quadro da santa ceia, cada vez que ouvia apitos ininterruptos e meu coração gelava em pânico.
 E se, e se, e se.
 10 minutos.
 Parede branca.
 20 minutos.
 Ouvido colado na porta da sala.
 30 minutos.
 Será que tem alguém acordado pra falar de qualquer coisa.
 40 minutos e todas as promessas possíveis.
 E fim.
 Alívio.
 Mas eu só queria te dizer, que dentro do alívio, veio dor.
 E dentro do que ficou, do pânico, alívio e todo o resto, a dor vai ficar, ta criança?
 E a gente vai lembrar.
 Vai sempre lembrar.
 Desculpa, criança. É que não era hora.
 Desculpa.

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