quinta-feira, 8 de maio de 2014

Dos planos falhos.

     Seis anos atrás, eu voltava de um aniversário quando soube que Ana ia se separar do homem com quem estava há oito anos.
     Ana, veja bem, sempre teve planos. Ela acreditava ter tudo decidido; compreendido. Namorava a mesma pessoa desde os 16 anos, saiu da faculdade já com uma carreira estabilizada e noiva. Ana sempre quis ser bom exemplo. Sempre foi determinada, cheia de vontades. Cheia de planos traçados só a espera de serem realizados.
     Com 24 anos, os planos de Ana se rasgaram bem em frente à ela sem nem existir tempo de arrancar qualquer linha de silêncio e suspirar dor.
     Cheia de planos quebrados, Ana foi embora pensando em não voltar. Saiu em busca de si mesma numa viagem, com um mundo virado de cabeça para baixo e correndo contra tudo que ela achou que estaria vivendo e nunca viveu.
     Fazia cinco meses em que Ana viajava quando a encontrei e passamos uma tarde conversando, regadas a crepe parisiense e lágrimas. Ela me contou sobre seus planos perdidos, sobre o fim indesejado. Me contou sobre a dor contínua em chegar em casa e ouvir que havia outra, depois de oito anos. Sobre tentar tanto buscar um conserto que não podia mais ser remendado. Tinha um sorriso fraco e olhos vermelhos misturados em palavras salgadas, como o de alguém tentando lhe afirmar que ficaria tudo bem, sem a crença própria de tal possibilidade.
     Quando fui embora aquele dia, lembrei de uma Ana antiga, cheia de vontades, apaixonada por todas as oportunidades que pareciam existir naquele momento. Senti o calafrio de planos falhos e o arrepio de um possível adeus definitivo.
     Os anos se encarregaram de acontecer, Ana voltou e se fez nova e velha. Permitiu que aquele jeito tão seu voltasse a aparecer em seus olhos e piadas. Ana até se apaixonou de novo e se casou. Recomeçou.
     Um ano atrás, sentada numa mesa de jantar, o pai de Ana me contou sobre ela e como tudo, mais uma vez, se fez em caos. No mês seguinte, quando encontrei ela - agora mãe solteira - os olhos se debulharam em lágrimas e história. Conversamos sobre decisões, sobre decepções, sobre certas coisas estarem fora de nosso alcance. Sobre estar envolvida com alguém dependente. Sobre ter um filho com ele. Sobre só descobrir tarde demais. Afirmei que ela havia feito o melhor para ela e para o filho; que havia feito tudo o que podia; que não existia decepção em uma relação parar de dar certo.
     Um mês depois, quando seu marido resolveu se ajeitar, ela voltou a morar com ele.
     Duas semanas atrás, conversando com os seus pais, senti um nó se formar na garganta de cada pessoa presente naquela sala de estar, enquanto eles nos contavam sobre como Ana desistiu de si mesma.
Ana, veja bem, era a pessoa mais alegre o qual tive o prazer de conviver e crescer com. Ana sempre teve um daqueles jeitos difíceis de explicar - daqueles que você gostaria de ter igual. Me fazia rir como pouca gente era capaz. Tinha uma vida dentro dela, daquelas de pensarmos em como o mundo seria mais puro se tivessemos um pedaço daquilo dentro de nós.
     Mas Ana também sempre amou demais. Sempre esperou demais.
     Ana não aceitava mais uma falha, mais um erro, mais um momento completamente errado. Agora segue tentando remendar algo estilhaçado e com pedaços perdidos - que não possui mais encaixe. Os anos passam e Ana vive uma vida que não é dela, enquanto a vida dela caminha esquecida num canto. Cortou a maioria daquilo que lhe fazia bem, não aceita conversas à respeito. Não existe mais. O que ela era lhe foi sugado e hoje, o que se vê, é opaco. Não é Ana.
     Seis anos atrás, quando tudo deu errado, eu me encontrei em volta de um plano falho que deixou todos aqueles que a conheciam se perguntando o que seria dela. Hoje, a vontade que existiu naquele momento, não existe mais, assim como aquela Ana.
     Seis anos atrás, eu compreendi que planos podem ser causadores de estragos irremediáveis. Entendi um pouco mais da dor daquilo que falha dentro da gente. Daquilo que coloca algo vago em uma pessoa de um jeito difícil de se preencher.
    Mas hoje, eu descobri aquela dor nova, que é simples; que é conjunta, que consegue também ser velha.
    Aquela dor de ver alguém que você ama se afundando, sem se mexer, se espremendo até não existir nada, até não existir mais espaço. Enquanto tudo o que você pode fazer, é assistir.
    Assistir e esperar.

Um comentário:

Elle disse...

Escrevi e reescrevi. Chorei com seu texto. Chorei mais com sua dor. Chorei mais com a dor dela. Não sei o que dizer exceto: eu sinto muito.